A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que o Ministério Público não pode pedir diretamente à Receita Federal dados sigilosos de investigados sem o aval da Justiça. O colegiado deu provimento a dois habeas corpus nos quais os acusados alegaram constrangimento ilegal em razão da obtenção direta de seus dados fiscais a partir de solicitação do MP à Receita.
O relator dos recursos, ministro Sebastião Reis Júnior, seguiu orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), firmada no Tema 990. Segundo o entendimento, a Receita Federal pode encaminhar ao MP dados fiscais quando houver suspeita de crime, porém, o MP não pode requisitar os dados sem autorização de um juiz.
O caso questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que negou a suspensão da ação penal. No recurso, as advogadas de defesa pediram que as declarações de Imposto de Renda fossem desconsideradas no processo, por terem sido obtidas sem aval da Justiça.
O TRF-3, no entanto, considerou que o STF reconhecia possibilidade de a Receita compartilhar informações com o MP.
As advogadas criminalistas Danyelle Galvão e Ana Carolina de Oliveira Piovesana, em sustentação oral, explicaram que o entendimento do STF é o contrário do argumento do TRF-3: “A Receita, caso encontre inconsistência em algum Imposto de Renda, pode compartilhar as informações com o MP. O caso em análise é o contrário. O MP teve acesso a dados com sigilo fiscal sem autorização”, ressaltaram à reportagem.
O recurso das advogadas seria julgado pela 6ª Turma do STJ, que analisa questões criminais. No entanto, pela abrangência do tema e para fixar um entendimento geral, os ministros da 5ª Turma decidiram se unir na 3ª Seção. O colegiado, assim, votou o tema com 10 ministros, sendo cinco de cada Turma.
“A decisão é uma proteção do sigilo fiscal ainda maior ao cidadão. Ele vai ter certeza de que a Declaração de Imposto de Renda, na qual ele apresenta seus dados, tem proteção de sigilo, que só pode ser quebrada mediante decisão da Justiça”, explicaram ainda as criminalistas Danyelle Galvão e Ana Carolina de Oliveira Piovesana.
Precedente
Para Flávia Campos Guth, advogada criminalista especialista em tribunais superiores, trata-se de um precedente relevante, pois houve correspondência entre o que diz o STF e o que diz o STJ.
“É um precedente importante, numa seção que é um órgão colegiado mais amplo que turma. Foi uma tese muito bem colocada com o entendimento de que: não pode o órgão acusatório requisitar informação da receita federal sem autorização da Justiça. A Receita não pode atuar como um braço do MP, sem decisão judicial, pois isso viola direitos fundamentais dos investigados”, explicou a criminalista.
Flávia avalia que a decisão protege o investigado de sofrer violações de seus diretos. “É uma premissa básica do estado direito”, completou.
O voto
No voto, Sebastião Reis Júnior citou que o ministro Luís Roberto Barroso, no STF, afirmou que “se o Ministério Público quiser ter acesso direto a informações bancárias, ele precisa de autorização judicial”, e que “o MP não pode requisitar à Receita Federal, de ofício, ou seja, sem tê-las recebido, da Receita, informações protegidas por sigilo fiscal”.
A tese vencedora, defendida pelo relator, foi seguida pelos ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes, Jesuíno Rissato e João Otávio de Noronha. Votaram contra esse entendimento os ministros Rogério Schietti, Ribeiro Dantas e Laurita Vaz.
Rachadinhas
Caso parecido, votado no STF, tem relação com investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). O parlamentar foi alvo de ação do MP por um suposto esquema de rachadinha quando atuava na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
O STF declarou os documentos adquiridos à época como inválidos. Por 3 votos a 1, os ministros acolheram parte dos pedidos da defesa do parlamentar para declarar que são ilegais os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) que foram produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a partir de pedidos feitos diretamente pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), sem aval da Justiça.